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A (des)Valorização do Artesanato Português.

Não olhe para o preço. Olhe para o valor.


Quem tem o prazer de trabalhar com as mãos, também tem o desprazer de sentir na pele a desvalorização do seu trabalho. Quantas vezes sentiu vergonha de dizer que a sua profissão é ser artesão? Quantas vezes o artesanato foi visto como um hobby da Dona de casa que, enquanto cuida dos filhos, aproveita para fazer um dinheirinho extra para completar o ordenado do marido que trabalha na fábrica?


Quantas vezes se sentiu inferior a alguém, por não ter uma profissão ''admirada'' na sociedade? Um médico, um advogado… até trabalhar na caixa do supermercado (que não é vergonha nenhuma), consegue ser levado como uma profissão mais a sério, do que dizer que vive do artesanato. Ou será que na realidade, como os meus pais artesãos fizeram toda a vida, você vai sobrevivendo das Artes e Ofícios, e, por isso mesmo hoje chegamos a pleno século XXI com muito bom artesanato português à beira da extinção?


Compreender a importância deste ofício é aprender sobre a dinâmica de uma cultura, especialmente a cultura portuguesa, em toda a sua complexidade e beleza.




Já parou para pensar como nos dias de hoje o artesanato está muito associado à tradição e cultura típica de alguma região, cidade ou mesmo país? Como podemos desvalorizar algo assim? Desvalorizar o artesanato, é desvalorizar mais do que quem o faz. É desvalorizar o que somos, as nossas raízes. É desvalorizar Portugal.

O Início das Artes e Ofícios

Podíamos dizer que os primeiros artesãos deste mundo foram Adão e Eva já que o artesanato existe desde o início da história da humanidade.


Logo na era do Neolítico, o homem polia a pedra, fabricava cerâmica e descobriu que podia tecer com fibras animais e vegetais. Podemos concluir que o artesanato está presente em tudo o que temos hoje. Foi o início de tudo. A moda, por exemplo, começou através dos trabalhos artesanais logo na antiguidade. Então, como podemos desvalorizar algo que é, e foi, tão importante na história do mundo?


Com o passar dos anos, houve várias mudanças drásticas na sociedade que levaram à decadência das artes e ofícios que falaremos em mais detalhe no futuro mas foi, principalmente, a entrada da mecanização industrial que fez do Artesão alguém essencial para conhecido como ''aquele que fabrica cultura popular'' que por si só, continua a ser um grande feito.


''O que pra uns não passa de chão, se torna raro o barro nas mãos do artesão.'' João Claus Bienemann

Dito isto, já parou para pensar como nos dias de hoje o artesanato está muito associado à tradição e cultura típica de alguma região, cidade ou mesmo país? Como podemos desvalorizar algo assim? Desvalorizar o artesanato, é desvalorizar mais do que quem o faz. É desvalorizar o que somos, as nossas raízes. É desvalorizar Portugal.





O Artesanato Em Portugal

Exemplo nº1 baseado na vida real de um artesão:


No passado 11 de Julho no SOMOS PORTUGAL da TVI que pode rever a nossa participação aqui! tivemos a oportunidade de conhecer um Artesão de olaria da nossa freguesia, Porto De Mós região centro de Leiria a caminho de Fátima, onde também pode conhecer o nosso Atelier e loja física aqui.


Já com os seus 50 anos, desabafou connosco, artesãs da cestaria de junco, como é atualmente o único artesão da sua aldeia a trabalhar o barro, e como depois dele não haverá mais ninguém a dar continuidade a esse legado.


''Porque nunca conheci um Oleiro milionário.'' disse ele.

Isto dói. E não porque precisamos de ser milionários poucas são as profissões que nos permitem tal mas porque precisamos de ser valorizados. Nós. Os Artesãos.




Estilista americana copia camisola poveira. Quando aprenderá o português a valorizar o artesanato que tem, antes de o perder?

Exemplo nº2 a internacionalização do artesanato:

''Na Póvoa de Varzim, camisola tradicional custa 30€. Estilista pede 695€ e não reconhece origem.'' ler artigo. ''Estilista americana que "copiou" camisola poveira vai corrigir erro.'' ler artigo. ''Camisolas poveiras. Estilista americana pede desculpa e quer "corrigir o erro." ler artigo.


Já ouviu falar de algum destes títulos? Foi uma grande bomba nos media tradicionais — e com razão. Mas será que aprenderam a lição? E não nos referimos à Americana, mas sim ao Português será que aprendeu com esta história?


Vamos começar pelo início: resumindo, Tory Burch marca de moda de luxo fundada em New York, que diz ter como objetivo entregar poder à Mulher e às Mulheres empresárias ''inspirou-se'' na cultura e tradição dos Poveiros Portugueses, e o resultado foi, nada mais nada menos, do que uma cópia da típica camisola de Póvoa de Varzim de um padrão que reflete a tradição de mais de 150 anos desta, a um preço que diria justo, 695 €, caso este valor fosse vendido pelo próprio artesão que na realidade são 30 €.


Qual o nosso espanto, quando as próprias artesãs se demonstram mais indignadas, não pelo preço, mas pela cópia da Americana, e desabafam que apenas uma camisola tem 50 horas de trabalho artesanal. Fora materiais, divulgação, publicidade, taxas que se deve pagar ao governo português, luz, condições de trabalho…


Ora, agora questionamos nós: se vendem estas camisolas a 30€ nas associações da terra, quanto ganham as artesãs que trabalharam 50 horas por camisola?

Parece que esta dúvida e resposta não chegou sequer ao público, nem há televisão ou revistas. Apenas se focaram no facto de terem copiado algo nosso, e tudo acabou com um final feliz quando os devidos direitos de autor foram, no fim de contas, dados ao seu criador, deixando de parte a exploração que é feita ao artesão.




cestas e seiras carolina herrera inspiradas em portugal

''A nova linha de malas da Carolina Herrera é inspirada em Aveiro.'' ler artigo.

''Carolina Herrera lança malas inspiradas na cidade de Aveiro.'' ler artigo.


Já esta notícia é, para nós, um murro no estômago que foi difícil de levar e engolir. Parece óbvio, não? Portugal e os Portugueses no geral, media tradicionais, etc, ficaram imensamente contentes por esta exposição já que aqui não houve a falta de direitos de autor que aconteceu com os nossos amigos Poveiros, apesar de, a nosso ver, dizerem que foram inspiradas quando na realidade estamos a ver típicos padrões da cestaria portuguesa de junco (que por sinal já fiz muitas iguais às da imagem acima quando era criança para depois um intermediário as vender no mercado), que talvez até a sua avó ou mãe tiveram seiras iguais à da Carolina Herrera, e esta adiciona alguns detalhes de couro, pompons, etc, e passam assim a ser ''inspiradas''.


Mas fora isso, porque nos incomoda esta felicidade? O facto de que, mais uma vez, é posta de parte o verdadeiro problema por detrás do artesanato: a desvalorização deste. Quem foi o artesão que fez estas cestas da Carolina Herrera? Porque são, obrigatoriamente, feitas em Portugal. Então, dos 490€ a 565 € a que é vendida (varia consoante o país em que acede no website oficial da marca), quanto recebeu o artesão?


Já houve inclusive, quem nos perguntasse diretamente se as cestas da Carolina Herrera eram feitas por nós, Victoria Handmade. Mas basta olhar para elas, para saber a resposta. Saiba que comprar à Victoria Handmade é comprar diretamente ao artesão português num mercado justo, digno e ético quer para o meio ambiente, quer para o artesão. E esses valores, não os vendemos a ninguém, e por isso, não trabalhamos para mais ninguém se não para nós: as artesãs de um legado familiar com 70 anos de história ler mais sobre nós aqui.


PS: este artigo foi desenvolvido em Agosto de 2021. Note que a coleção Primavera/ Verão 2021 'Aveiro - Carolina Herrera' já não se encontra disponível para compra online, tendo sido substituída pela nova coleção 2022.


cobertores de papa portugueses vão à expo dubai

''Estilista português leva o tradicional cobertor do papa a exposição de Moda no Dubai.'' ler artigo.

''Expo Dubai: Luís Castro Henriques acredita que presença de Portugal "vai ser um sucesso." ler artigo.


Há dias deu uma reportagem na RTP que o cobertor de Papa vai representar, e bem, Portugal na Expo Dubai, por um designer português. É positivo as artes e ofícios artesanais serem representados na vertente tradicional / contemporâneo.


A Câmara da Guarda apoia, assim como os empresários, pois dinamiza o País, o concelho e os artesãos. Fala-se até de se apostar na formação de artesãos e é tudo muito bonito de se ouvir.


E concordamos com tudo, até chegar à parte quando uma das 4 artesãs dá o seu testemunho e refere como é muito boa esta presença no Dubai para valorizar o cobertor de papa, porque…


''Somos uma Associação de voluntárias e precisamos de dinheiro para pagar o material e a renda do espaço.''

E valorizar a mão de obra, o saber fazer, a sustentabilidade de um projeto artesanal, a continuidade e incentivo para os jovens quererem aprender e viver do seu trabalho… e o fator unidade produtiva artesanal (empresa). ???


Quanto bom artesanato vai viver do pó dos museus das nossas terras? O artesanato não é feito para expor. É feito para viver. É feito para percorrer o mundo e mostrar o melhor da nossa cultura, diretamente das mãos do seu criador.




exploração no artesanato português

A exploração idosa e infantil. A falta de ética e produção transparente no artesanato português.


''Ah, mas na feira encontro cestas iguais bem mais baratas! Estão a aproveitar-se do bolso português.'' anónimo.

A Victoria Handmade não inventou a cesta de junco típica portuguesa que faz parte da infância e cultura de muitos portugueses essa, na verdade conta a lenda que alguém estrangeiro trouxe a arte da cestaria para Lisboa, ensinando às grandes escolas e mestres artesãos, que posteriormente deram a saber essa arte por entre as aldeias, e, por sinal, a Victoria Handmade vem de uma aldeia que se pode chamar o coração da cestaria de junco, onde em cada casa, cada família sabia fazer cestas: da Castanheira, em Coz de Alcobaça. Onde o meu pai, Toino da Vitória, aprendeu com 9 anos, e ensinou um dia à minha mãe, Maria Manuela, e a cada uma de nós, as suas filhas.


De onde, por sinal, vêm ainda hoje muitas dessas cestas, das que encontra na feira e até mesmo em grandes lojas de Lisboa e Porto (e apostaríamos, as da Carolina Herrera). Feitas por quem? Idosos. Os poucos que ainda têm a força para fazer esta arte árdua, como complemento da sua pequena reforma, e que não sabem trabalhar de outra forma se não numa economia paralela, onde sempre se trabalhou, a preços que fazem rir quando se sabe do trabalho envolvido, e consequentemente desmotiva qualquer jovem a dar continuidade, que apesar de saberem fazer, não querem trabalhar em algo insustentável. E quem os pode culpar?


Ah. E quem fazia as cestas de antigamente, antes da Indústria do Plástico em que todos levavam os almoços para o campo e para a escola numa seira? Eram feitas também por crianças. Crianças como Eu, uma Esperança Vitória com nem 5 anos, que subia para um tijolo para alcançar o tear e tecer as suas primeiras cestas, que trabalhava em todos os seus tempos livres, para ajudar os seus pais a colocar algo mais em cima da mesa. E isto não é vergonha. Não tenho vergonha dos calos que tenho nas mãos com mais de 40 anos por saber fazer esta arte. Mas tenho pena, que esses calos me tenham feito desistir de uma arte de família na primeira oportunidade por um futuro melhor, que não era o artesanato, em que saí de casa aos 17 anos, e nunca mais teci uma cesta portuguesa até chegar aos meus 38 anos, despedir-me de um emprego estável de 14 anos, e criar o projeto Victoria Handmade.


A falta de ética, transparência e sustentabilidade no artesanato é real. Porque para sair barato a quem compra, sai bem caro para quem faz.


Podemos concluir com estas histórias e enquanto artesã de gema, é difícil para mim admitir que alguém de fora consegue vender melhor aquilo que é nosso. E que a primeira pessoa a desvalorizar o artesanato, é na verdade, o artesão, pois é ele que coloca o seu trabalho ao preço da chuva e não apenas o cliente, que segue o trilho de quem vai à frente.


O artesão tem de mudar a mentalidade, valorizar o seu trabalho, a sua Arte… e o público aprenderá a fazer o mesmo quando nós o educarmos a tal. Para depois não nos admirarmos de designers estrangeiros agarrarem na nossa arte, ''apropriarem-se'' dela e venderem-na por fim a valores que, a nosso ver, são justos. O que não está certo é um intermediário ter margens de lucro de 200, 300 e 500% sem exageros devido aos valores surreais que saem das mãos calejadas e muitas delas já engelhadas da idade.

Por isso é tão importante adquirir diretamente ao artesão. Não à loja, nem na feira, pois muitas das vezes está a comprar a um intermediário. Está a ajudar a exploração no artesanato. Porque daqui a 10 anos, não vai conseguir encontrar essas peças, essas obras-primas de arte, nessas lojas e nesses mercados. Porque daqui a 10 anos, não haverá mais artesãos. Porque os idosos não conseguem dar mais de si, e os jovens não querem, nem podem, trabalhar em algo que não sustenta a sua família.


Na Victoria Handmade, continuaremos nesta luta pela valorização do trabalho do Artesão. Sim, para deixarmos de ser olhados como analfabetos e dependentes. Sim, sabemos trabalhar, temos visão e estratégia de presente e futuro. A Vitória é cada pessoa que valoriza e apoia as Artes & Ofícios.


Portugal é pequeno geograficamente, no entanto Grande no Artesanato.


Promovam, Valorizem, mas não se esqueçam das MÃOS.

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