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Como Valorizar o Trabalho Artesanal?

Ou pelas palavras originais de uma artesã:

‘A (in) Sustentabilidade de ser um Artesão’.


Como é que nós, consumidores, podemos valorizar e dar preço aos produtos dos outros? Como podemos concluir se é caro, ou barato? Especialmente quando se trata de artesanato — uma arte que nem todos sabem fazer.


Por isso deixamos algumas perguntas e respostas que deve fazer a si mesma/o antes de dar preço a um artigo feito-à-mão.



Caso ainda não se tenha apercebido, a Victoria Handmade é muito mais do que uma marca ou empresa: mas um legado familiar.


Onde a Esperança — Artesã, Fundadora e CEO da empresa — aprendeu esta arte com o seu pai — Toino — desde que se lembra de ser gente e com a certeza que com nem 5 anos já tecia os seus primeiros cantos de cestas portuguesas em cima de um tijolo na antiga casa da sua avó Vitória.


Da sua vontade de fazer renascer uma arte e cultura portuguesa num mundo sustentável e ético, existia também a necessidade de dar a conhecer este artesanato no mundo de hoje — aka o mundo digital.


É aqui que a Daniela entra — filha da Esperança, neta do Toino da Vitória e da Maria Manuela que toda a vida viu os avós no tear e brincava entre as cestas sem nunca realmente fazer uma, pois a mãe afastara-se da arte — apesar de presente e dar ideias inovadoras de produtos para os pais tecerem — devido ao simples facto de não ser um trabalho justo e muito menos legalizado perante o estado. E não se pode propriamente culpar os jovens por não quererem aprender algo que não sustenta as suas famílias — não é?


No entanto, a Daniela tinha algo a juntar à família que sempre faltou no artesanato: a consciência, a comunicação, o dar a conhecer de nós até si. O verdadeiro valor — e não apenas preço. Pois, da mesma maneira que é necessário ter um produto, também é essencial saber passar a mensagem para as pessoas. Saber quem faz, como se faz: porque se faz.


Então, muito gosto — sou a Daniela Gomes, tenho 24 anos, sou licenciada em Design Gráfico e Multimédia desde 2018 e apesar de a marca Victoria Handmade ser uma menina de 7 anos da qual faço parte desde o seu nascimento, só há 1 ano é que integrei oficialmente os quadros da empresa — o que me leva ao assunto e porquê do artigo do blog de hoje.



Agora que posso deixar de falar de mim mesma na 3º pessoa: criar conteúdo exige um processo e pesquisa muito além do que pode imaginar ao ler estas minhas palavras — então quando a minha mãe, a Esperança, chega ao pé de mim ao fim de um dia de trabalho e passa 3 folhas rabiscadas para as minhas mãos apenas dizendo:


— Aqui está o conteúdo do próximo Diário d’Estórias. - admito que fiquei com a pulga atrás da orelha.

Isto porque, como popularmente se diz, ‘'filho de peixe sabe nadar'', e as ideias da minha mãe são sempre algo… engraçadas e de levar em conta, apesar de nem sempre à letra :)


Em letras gordas lia-se nas suas folhas - mais azuis da cor da caneta, do que brancas:

'A (in) Sustentabilidade de ser um Artesão’



Título este algo inspirado no nosso artigo mais conhecido ‘A (des)Valorização do Artesanato Português’ que se não teve oportunidade de ler, não deixe de o fazer aqui — clique.


Um pouco sem ordem fixa ou organização, as suas palavras questionavam assuntos que para mim são tudo menos novidade, mas que a/o podem deixar a pensar duas vezes:


Ser Artesão:

— Faz artesanato como hobby ou como profissional?
— É aposentado, empresário ou empreendedor?
— Tem funcionários ou tem uma rede familiar que ajuda voluntariamente?
— O artesão contribui para a economia tributária nacional / internacional, ou trabalha numa economia paralela?
— Valoriza o seu trabalho e o dos outros artesãos ou explora os outros em proveito próprio (sei que esta pergunta é forte e levanta suspeitas, mas a verdade é que se há quem possa falar deste assunto, é quem o viveu e viu viver os outros, então estamos a falar com conhecimento de causa).
— ...

As perguntas continuam, todas pertinentes, mas vamos começar por aprofundar estes assuntos que assombram a vida de ser um Artesão — ou quem quer ser um:



— Faz artesanato como hobby ou como profissional?

Estudos revelam que apenas na arte da cestaria de junco, na Castanheira de Cós, existe uma decadência de +91% neste artesanato entre os anos de 1980 ao presente 2022.


Uma aldeia de Alcobaça de onde mais cestas de junco e vime saíram para todo Portugal, Espanha e o mundo — que por sinal, é a aldeia natal da Esperança e quem fez muitas dessas seiras ‘de palha’ a custo zero para ajudar a família a colocar pão em cima da mesa, e assim como ela, muitas crianças da sua geração.


Dessas mesmas cestas, hoje conhecidas como tendo sido as ‘cestas dos pobres’ no passado e que atualmente são as ‘cestas dos ricos’ — mas quem o diz esquece-se que, na realidade, as cestas dos pobres eram feitas, de facto, por pobres.


Numa aldeia que faz ligação com Porto de Mós — Juncal - Castanheira, Alcobaça — onde se podia bater a qualquer porta e encontrar um artesão ligado a esta arte de tecer o junco, e que hoje pode ir ao mesmo sítio e encontrar menos de 20 pessoas já com as mãos engelhadas e sem forças nas pernas, a preservar este ‘trabalho’ num mercado paralelo porque nunca antes souberam trabalhar de outra forma.


Portanto, antes de decidir ser artesão, ou avaliar o trabalho de um, deve questionar-se: será isto feito como hobby enquanto complemento ao ordenado, ou a tempo inteiro, profissionalmente?


Até porque responder a esta pergunta irá influenciar — bastante — o preço final da peça de arte.



— É aposentado, empresário ou empreendedor?

A idade aqui também conta — e muito.


Com 38 anos de idade a Esperança despediu-se de um emprego estável de 14 anos para trabalhar numa arte que nunca sustentou os pais, quanto mais a sua própria família. Pelo que ela só tinha uma opção: empreender no artesanato. Mal sabia ela que acabaria empresária — já que são dois conceitos diferentes que passo a transcrever do site oficial ‘Meu Bolso Em Dia’:


Empresário:

Podemos considerar que o empresário é aquele que escolheu abrir uma empresa. É importante que ele possua bons conhecimentos em gestão — finanças, marketing, planejamento, gestão de pessoas e vendas. O seu foco está geralmente concentrado na conservação do bom funcionamento do negócio.


Empreendedor:

Diferente do empresário, o empreendedor é aquele que se utiliza de ideias inovadoras para promover mudanças em processos ou até mesmo na vida de um grupo de pessoas.


O empreendedor não, necessariamente, precisa ser dono de uma empresa. Ele pode colocar as suas ideias em prática e gerar transformação em qualquer ambiente no qual esteja inserido. Esse ambiente pode ser a empresa da qual é proprietário, no seu trabalho formal ou informal, ou num projeto social.


Conclusão:

“— Ser empresário é uma profissão, enquanto ser empreendedor está muito mais ligado a uma postura, uma forma de ver o mundo” - relata Millor Machado, sócio-fundador da rede social Empreendemia, para a revista Exame.

Para os curiosos:


Aposentado:

Que ou quem está em situação de aposentação, ou tem isenção definitiva da efetividade do serviço, por incapacidade física ou por atingir determinada idade legal, recebendo determinada pensão ou remuneração.



— Tem funcionários ou tem uma rede familiar que ajuda voluntariamente?

Recentemente, tivemos o gosto de receber um casal no nosso atelier que estava de passagem para Fátima e olharam para a fachada da nossa loja na Corredoura, Porto de Mós, decidindo parar.


A senhora comentou connosco que conhecia bem esta arte da cestaria e que até tinha adquirido há umas semanas uma cesta tradicional na feira a uma artesã onde esta até estava a trabalhar ao vivo no tear.


No entanto, o preço que pagou pela cesta da feira, em nada tinha a ver com o preço de uma obra de arte Victoria Handmade, e apesar de reconhecer e sentir a diferença na qualidade de uma das nossas peças e de ao chegar a casa, após comprar a cesta na feira, se ter apercebido que afinal não estava assim tão bem-feita e que ainda não a usou uma única vez, a pergunta emanava no ar impossível de ignorar: o porquê do nosso preço vs o da artesã da feira? Esta é uma das principais perguntas que nos fazem.


Vejamos: além de haver nas nossas peças um maior investimento em nível de concretização, pois sinónimo de alta qualidade artesanal significa também investir mais tempo das mãos da Esperança, optar por melhores matérias-primas em nível de durabilidade e sustentabilidade ambiental, estamos também a comparar o preço entre: a) comprar a uma artesã aposentada, que trabalha na cestaria como hobby e complemento, e que conta com a ajuda voluntária do seu marido — factos comprovados pelo casal que visitou o nosso atelier —, b) a comprar a uma artesã empreendedora, empresária e que conta com funcionários para pagar ordenados ao fim do mês e ainda tem uma casa aberta ao público — física e online.


Pelo que pode concluir que os preços são incomparáveis.


Entretanto dou por mim a falar — ou escrever, se quisermos ser ainda mais realistas — sem parar do assunto, que é algo que acontece facilmente quando se trata desta arte, legado e cultura portuguesa. Como tal, vou reaproveitar o trabalho da minha mãe e manter-me fiel às suas palavras escritas no papel que me deu para criar este artigo para si, na esperança que possa ler até ao fim e ter uma opinião a dar — que pode escrever na secção de comentários abaixo deste artigo:



Ser Artesão:

— …


— Ser artesão obriga este a fazer arte acessível à capacidade financeira de todos? Aka ter preços para todos os bolsos?


— O porquê de ‘Ser Artesão’ estar conotado como ‘o coitadinho’ (pois não tem emprego a sério, mas sim um hobby), que trabalha em feiras ao vivo para despertar e entreter quem o interpela e muita vez nem compram o seu trabalho, ou se adquirem é para ajudar, como se de uma contribuição se tratasse?


— O artesão tem de justificar o valor do seu trabalho?


— Porque o artesão não tem, nem trabalha, com máquinas, já podemos considerar que não tem qualquer investimento no seu negócio?


— O artesão que produz e promove o seu projeto, não tem custos para o fazer?


— Quantas horas o artesão trabalha por dia e dias de semana? Quanto investe de si, numa única peça de arte?


Se vender mais barato, vendo mais. Mas como se diz à capacidade de mãos que tem de produzir mais? Vender mais, equivale a produzir mais. No artesanato, equivale a colocar mais mãos a trabalhar. Mais mãos a trabalhar significa mais funcionários a agregar à empresa — como posso vender mais barato, para produzir mais, se terei mais custos no fim do mês que o preço da minha arte não paga?


— Olhamos para o artesanato como se de um produto industrial se tratasse?


— Tiramos na qualidade para produzir mais rápido? Trabalhamos mais horas, ou dias, para produzir mais?


— Vendemos mais para o estrangeiro do que para Portugal? O Português não tem poder de compra? Estudos recentes revelam que os Portugueses dominam as compras do sector imobiliário de luxo, seguidos dos Brasileiros e só depois os Norte-Americanos.


— Porque é que o artigo artesanal tem de ser valorizado 1.º no estrangeiro, para só então ser valorizado no território nacional?


— Porque é que os designers estrangeiros compram aos artesãos em Portugal a preços baixos e acabam a vender com as suas marcas próprias, apropriando-se do feito, a centenas de euros a mais?


— Porque é que o artesão tem de inferiorizar o seu estatuto profissional em deferimento de qualquer outro artista?


— Porque é que na cestaria de junco, a matéria-prima principal, sendo uma planta, é considerada ‘palha’, e o conhecimento que retrata uma cultura e identidade, assim como a arte de saber transformar, é ignorada e desvalorizada? É porque o junco não é nobre? Não é ouro, prata, bronze? Só isso tem valor?


A nova geração de artesãos tem o direito de viver — não sobreviver — do seu trabalho. Essa é a razão principal do desinvestimento, desinteresse e extinção das Artes e Ofícios Artesanais.


Somos bons profissionais e a valorização tem de partir primeiro de nós, artesãos, e só depois de nós, consumidores.


Valorização não é sinónimo de poder de compra: mas de sustentabilidade financeira, ambiental e social.


A Valorização está nas nossas mãos, que trabalham e transformam o que a natureza nos dá de melhor. Valorização vem de como olhamos para a ARTE e para o ARTISTA ARTESÃO.

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